Programa Nacional de Prevenção em Epidemiologia

Cardiopatia Fetal

 

Programa preventivo de detecção pré-natal de doenças cardíacas fetais:
"Um projeto populacional de abrangência nacional" 

 

Introdução

A busca constante da melhoria das condições de vida da população tem caracterizado a atuação dos administradores de saúde em nosso país. Entre os instrumentos utilizados para monitorar o seu desenvolvimento figuram os indicadores de saúde.

Estas informações são imprescindíveis no planejamento e alocação dos recursos públicos para investimento em saúde, tão indispensáveis na busca da diminuição das malformações congênitas, de forma a minorar sua morbidade e melhorar seus índices de sobrevida de nossa população.

O diagnóstico pré-natal das cardiopatias congênitas e a análise de seus fatores causais permitirá o aconselhamento genético, contribuindo para o avanço do conhecimento sobre a etiologia dessas malformações em nosso meio.

Num trabalho de investigação epidemiológica permanente e em parceria com os diversos núcleos regionais, este projeto permitirá o monitoramento das malformações cardiovasculares congênitas na quase totalidade do território brasileiro, tornando-se um instrumento poderoso de conhecimento científico, estimulando o surgimento de novas vertentes de investigação neste e em outros ramos da Medicina.

O Programa preventivo de detecção pré-natal de doenças cardíacas fetais representa uma oportunidade única de obter significativo avanço científico na área de cardiologia fetal. Vários projetos de pesquisa aninhados no programa principal constituem-se em uma linha de pesquisa bastante dinâmica e promissora. Estes projetos incluem:

No futuro, será possível estudar também a longo prazo os efeitos do programa sobre os índices de mortalidade neonatal por cardiopatias congênitas, morbidade e número de internações hospitalares.

 

Relevância e Justificativa

É admitido classicamente que uma determinada comunidade, ao atingir um coeficiente de mortalidade infantil menor que 20/1000 nascidos vivos, mude o perfil de preocupações dos administradores de saúde, esperando-se que as malformações congênitas passem a desempenhar papel preponderante nos índices de mortalidade infantil.

Os mais recentes dados epidemiológicos consolidados no Estado do Rio Grande do Sul referem-se aos anos de 1991 e 1992. O coeficiente de mortalidade infantil, no ano de 1992, foi de 19,3/1000 nascidos vivos. Esse mesmo coeficiente na cidade de Porto Alegre, também no ano de 1992, foi de 18,65/1000 nascidos vivos. Os coeficientes de mortalidade neonatal foram, respectivamente para o Rio Grande do Sul e Porto Alegre, de 11,16/1000 e 9,52/1000 nascidos vivos.

Os óbitos ocorridos no período neonatal, especialmente na primeira semana de vida, seguem sendo responsáveis por mais da metade (57,9%) da mortalidade infantil.

Em 1991, as afecções do período perinatal e as anomalias congênitas, respectivamente primeira e segunda causas mais importantes de mortalidade infantil, responderam por 48,29% e 14,13% da mortalidade infantil, totalizando 62,42% dos óbitos ocorridos em menores de um ano.

As cardiopatias congênitas são a terceira causa específica de mortalidade infantil (coeficiente de mortalidade específica de 94,6/1000 em 1991). Isto significa que cerca de 10% da mortalidade infantil deve-se a cardiopatias congênitas, contabilizando mais de 300 mortes no ano de 1991.

As principais causas de mortalidade neonatal (0-28 dias de vida) são, em ordem decrescente de importância:

  1. Síndrome do Desconforto Respiratório;

  2. Asfixia Perinatal; e

  3. Malformações Congênitas.

Estas causas são responsáveis por cerca de 50% do obituário nesta faixa etária.

A literatura internacional registra prevalências variáveis das cardiopatias congênitas. Mesmo em países com maior desenvolvimento sócio-científico, têm-se dificuldades em obter informações epidemiológicas confiáveis acerca das repercussões (morbi-mortalidade) das cardiopatias congênitas. Os mais recentes estudos de prevalência global de cardiopatias congênitas disponíveis na literatura mostram uma variação de 3,4 a 10,2 por 1000 nascidos vivos. Ao serem considerados os natimortos, a incidência é 10 vezes superior, chegando a mais de 100 / 1000 !

Dados da América Latina, fornecidos pelo ECLAMC - Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações Congênitas e executado em hospitais de referência de todos os países latino americanos (com exceção das três Guianas), mostram, na totalização até 1993, incluindo quase 2,3 milhões de recém-nascidos avaliados, uma prevalência global de malformações cardíacas congênitas de 4,8/1000 nascidos vivos e de malformações cardiovasculares específicas de 1,45/10000 para a comunicação interventricular, de 2,17/10000 para a comunicação interatrial e de 4,57/10000 para cardiopatias não especificadas.

Pode-se dizer que quase todas as estatísticas sobre prevalência de cardiopatias congênitas subestimam seu verdadeiro número, geralmente pela não inclusão de formas leves, com pequena expressão clínica e/ou pela exclusão de lesões importantes pelo número de afetados, morbidade e repercussão nos custos globais da assistência médica (p. ex. prolapso de valva mitral, persistência do ductus arterioso e valva aórtica bicúspide).

É importante salientar, quando se deseja estudar a prevalência total de cardiopatias congênitas, que a prevalência em natimortos é aproximadamente 10 (dez) vezes maior que em recém-nascidos vivos. Embora muito pouca informação acerca da prevalência de cardiopatias congênitas em abortos seja disponível na literatura, estima-se que, caso se agregasse aos números conhecidos as cardiopatias congênitas presentes em abortos e natimortos, a incidência global de cardiopatias congênitas seria multiplicada por 5 (cinco).

As malformações do sistema cardiovascular estão associadas com significativa morbidade. As crianças com cardiopatias congênitas utilizam 25-30% dos leitos em muitas unidades de tratamento intensivo pediátricas e neonatais, consumindo larga fatia dos recursos instalados disponíveis para assistência a esta faixa etária.

Em relação às malformações congênitas como um todo, sabe-se que cerca de 3 a 5% dos recém-nascidos vivos apresentam alguma malformação detectável ao nascimento. Aproximadamente um quarto destas são de origem genética, sendo 10 a 15% devido a anomalias cromossômicas. Aproximadamente 50% das cardiopatias congênitas apresentam-se como um defeito isolado, sendo nestes casos de etiologia geralmente multifatorial. Quando associadas com outras anomalias, síndromes malformativas específicas estão presentes, sendo a etiologia, nestes casos, relacionada a anormalidades cromossômicas, gênicas ou ambientais.

Dados preliminares de estudo em andamento no Instituto de Cardiologia do RS revelam que mais de 75% dos neonatos com cardiopatias estruturais internados na UTI pediátrica haviam realizado pelo menos um estudo ultra-sonográfico obstétrico durante o acompanhamento pré-natal. Destes, em mais de 95% a cardiopatia não havia sido reconhecida pelo examinador. Isso demonstra que a potencialidade do estudo ultra-sonográfico pré-natal deve ser grandemente incrementada.

Não se discute a indicação formal de realização de ecocardiografia fetal, pelo cardiologista, nas gestações com fatores de risco para cardiopatia fetal, tais como diabete materno, história de cardiopatia congênita em gestações anteriores, lupus materno, cariótipo alterado, distúrbios do ritmo fetal, retardo do crescimento intra-uterino, contato com rubéola ou outras infecções, uso de drogas teratogênicas e outros. Entretanto, o fato fundamental a ser enfatizado é o de que apenas 10% das cardiopatias congênitas ocorrem em fetos com fatores de risco. Isto significa que 90% das doenças cardíacas fetais ocorrem na população geral, sem qualquer fator de risco! Portanto, o rastreamento populacional dirigido, preferentemente durante a ecografia obstétrica de rotina, através da observação sistemática do coração fetal, é o único caminho para que o diagnóstico das cardiopatias congênitas fetais possa ser ampliado, em termos de impacto na atenção primária pré-natal. A disseminação e a multiplicação do conhecimento relativo à identificação das características ultra-sonográficas básicas do coração fetal normal e das suas mais freqüentes alterações, entre a equipe de saúde envolvida no atendimento pré-natal, podem tornar mais próximo este objetivo.

Se o sistema hierarquizado de busca de alterações cardíacas fetais na população for bem assimilado, existirão diferentes níveis de atenção:

Se o diagnóstico de uma malformação cardíaca fetal for estabelecido, a conduta terapêutica dependerá do local de atendimento, do comprometimento funcional atual, potencial ou previsível e da maturidade fetal. Ao par do tratamento clínico medicamentoso, o transporte intra-uterino do feto, o planejamento da conduta clínica ou cirúrgica perinatal ou a intervenção intra-uterina poderão ser equacionados. A utilização judiciosa destes recursos indiscutivelmente trará reflexos na diminuição da morbidade e da mortalidade perinatal por doenças cardíacas fetais.

Objetivos

Geral

Criar condições para a melhora do atendimento cardiológico pré-natal, em nível primário de atenção, de forma a obter diminuição da morbidade e mortalidade perinatal por doenças cardíacas fetais.

Este Programa foi idealizado com o objetivo de criar condições para que todas as gestantes brasileiras com mais de 20 semanas de gestação, em médio prazo, tenham acesso a pelo menos 01 (uma) avaliação ultra-sonográfica do coração fetal (ecocardiograma fetal de triagem).

A médio prazo, pretende-se atingir pelo menos 60% da população de gestantes no país, de todos os níveis sócio-econômicos, preconizando a realização de pelo menos 01 (uma) avaliação do coração fetal a partir de 20 semanas de gestação.

A formação de redes hierarquizadas de atenção, conforme detalhado a seguir, e o treinamento de técnicos capazes de fazer o rastreamento ecográfico de anormalidades constituem as metas para a consecução destes objetivos.

Assim, o impacto para a Sociedade pode ser definido com uma diminuição efetiva da morbidade e da mortalidade infantil por cardiopatias congênitas, através da detecção pré-natal. Sabendo-se que as cardiopatias congênitas constituem-se na terceira causa de morte no período neonatal, este objetivo adquire importância fundamental.

Específicos

  1. Criar uma rede nacional de atenção primária em Cardiologia Fetal.

  2. Sistematizar o diagnóstico pré-natal de cardiopatias, de forma a hierarquizar diversos níveis de rastreamento populacional.

  3. Uniformizar um banco de dados em nível nacional, visando identificar a prevalência de cardiopatias fetais na população geral, mesmo sem "fatores de risco" para doenças cardíacas fetais.

  4. Propiciar condições para o atendimento cardiológico pré-natal de fetos cardiopatas e para o planejamento das condições de nascimento dos mesmos, nos casos passíveis de sofrimento cardiológico neonatal imediato, oportunizando tratamento especializado médico ou cirúrgico, com potencial para diminuição da morbi-mortalidade perinatal.

  5. Promover treinamento de médicos, técnicos e estudantes envolvidos com atenção pré-natal, de forma a familiarizá-los com as imagens ecográficas normais e anormais mais comuns do coração fetal, ação com potencial multiplicador e facilitador da logística de expansão do projeto.

Metodologia

Modelo do projeto em desenvolvimento no município de Porto Alegre

O município de Porto Alegre, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, tem 80% de sua população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), concentrados em postos de saúde e hospitais de referência (próprios ou conveniados). Desta forma, 25.000 dos 30.000 partos realizados anualmente têm seu pré-natal na rede pública.

Através do treinamento dos profissionais da área de saúde que prestam assistência a essa população, é possível estabelecer uma rede de triagem baseada no screening da anatomia cardíaca fetal. Incluem-se nessa relação de prestadores de assistência médicos pré-natalistas, ultra-sonografistas obstétricos, clínicos, alunos de pós-graduação, residentes, membros das equipes de Saúde Comunitária do município, estagiários e acadêmicos de Medicina, que realizam treinamento mínimo para obtenção de imagem ecocardiográfica básica para avaliação do coração fetal.

Este treinamento é realizado por pessoal envolvido no atendimento a gestantes e supervisionado por membro sênior da Unidade de Cardiologia Fetal do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia (UCF-IC/FUC).

Resumidamente, as imagens de alterações comuns e das patologias cardiovasculares congênitas mais freqüentes são apresentadas em fitas magnéticas, acompanhadas da respectiva correlação anatômica. Estas fitas ficam em poder das equipes de assistência ambulatorial para eventual consulta. O treinamento é complementado com a efetiva realização de exames, com supervisão da equipe da UCF-IC/FUC. À medida que um membro do programa de treinamento adquire capacitação, ele passa a contribuir na formação e no treinamento de outros, multiplicando, assim, este conhecimento.

Como se observa, está sendo montada, com crescimento geométrico, uma rede de pessoal treinado e motivado para a detecção precoce de cardiopatias congênitas. Partindo da idéia de disseminação radial e em progressão geométrica das ações de triagem populacional, não é difícil imaginar-se a cobertura por inteiro de municípios de médio e grande porte e ou regiões de municípios menores. Neste caso, a supervisão direta dos desempenhos no rastreamento de cardiopatias congênitas ficaria à cargo da Unidade de referência, responsável pelo treinamento inicial, cabendo aos supervisores a busca ativa de informações pós-natais destinadas a retro-alimentar o sistema, procurando por falso-negativos.

Sabe-se que a visualização à ecografia obstétrica de um coração fetal de aspecto normal em cerca de 95% das vezes corresponde a um coração efetivamente sem patologia grave.

Cada gestante, em atendimento pré-natal nos postos da rede pública "visitados" regularmente pela unidade móvel da UCF-IC/FUC, realiza pelo menos um exame ecográfico obstétrico a partir da 20ª semana de vida intra-uterina, com a visualização da anatomia do coração fetal. Qualquer dúvida sobre a normalidade da imagem ecográfica obtida remete a gestante para a realização de ecocardiograma fetal em nível secundário de atenção (UCF-IC/FUC), com preferência absoluta na realização do exame.Todas as gestantes que realizam ecocardiograma fetal em nível secundário são contra-referidas aos seus locais de origem, acompanhadas de laudo diagnóstico.

Os fetos com malformação(ões) cardiovascular(es) identificadas são acompanhados de acordo com os protocolos de assistência da Unidade de Cardiologia Fetal do IC/FUC e realizam ecocardiografia confirmatória no período pós-natal imediato. Realizam, também, avaliação genética clínica e laboratorial, incluindo cariótipo fetal sempre que houver material disponível. Os fetos diagnosticados como normais na ecocardiografia pré-natal, mas que apresentam quadro clínico neonatal suspeito de cardiopatia congênita (falso-negativos) têm avaliação clínica, ecocardiográfica e genética priorizada, quando indicado. Os óbitos neonatais ocorridos na população da área geograficamente definida têm causa-mortis determinada por necrópsia, para confirmação do diagnóstico pré-natal.

A "rede" nacional

O Programa terá como cidade-sede o município de Porto Alegre. O Coordenador Temático Nacional, conforme orientação da SBC e por ele indicado, terá como responsabilidades:

Os Coordenadores Regionais, indicados pelo Coordenador Nacional, terão como atribuições o desenvolvimento do programa preventivo e epidemiológico em suas respectivas regiões, fazendo as adaptações necessárias, de acordo com as peculiaridades locais, em consonância com o Programa Nacional e sua coordenação.

Em cada cidade-sede regional, o(s) Coordenador(es) Regional(is) poderá(ão) indicar tantos Coordenadores "Locais" quantos julgar necessário para a expansão do Programa de forma radial. Assim, por exemplo, um determinado estado da federação poderá ter um ou mais Coordenadores Regionais, na capital, e vários Coordenadores Locais nas suas cidades mais representativas.

Como se trata de um Programa de abrangência nacional, sua implantação deverá necessariamente ser gradativa, respeitando as facilidades e dificuldades próprias de cada região.

Considerações Técnicas

Equipamentos

Como o Programa destina-se a triagem populacional, será suficiente que os aparelhos de ultra-som a serem utilizados disponham apenas de imagem uni e bidimensional, não sendo necessários dispositivos para análise de fluxos pelo sistema Doppler ou mapeamento a cores. Os transdutores poderão ser "obstétricos" (convexos ou curvos, de 3.5 Mhz) ou "cardiológicos" (setoriais, d3 3.5 ou 5 Mhz). Essa composição é de baixo custo e habitualmente está disponível na maioria dos centros do país.

Os casos suspeitos ou duvidosos, que serão referenciados para reanálise nos centros de referência mais especializados, deverão ser submetidos a exame ecocardiográfico fetal em equipamentos com maiores recursos técnicos.

Técnica do Exame

Considera-se como exigência mínima para a triagem populacional de cardiopatias congênitas no período pré-natal a obtenção de um corte de 4-câmaras do coração fetal. Neste corte podem ser observados o tamanho e a forma dos dois átrios e dos dois ventrículos, suas proporções relativas, as valvas atrioventriculares, os septos interatrial e interventricular, a membrana da fossa oval, a espessura das paredes e o ritmo cardíaco. Esta abordagem permite a identificação de até 70% das anormalidades cardíacas fetais, sendo sua grande limitação a não identificação das conexões ventrículo-arteriais. Se estas forem demonstradas nos cortes de "vias de saída" do ventrículo direito e esquerdo, a sensibilidade do exame passa a ser maior do que 90%.

Operadores

A ecocardiografia fetal, como técnica de diagnóstico pré-natal detalhado da morfologia das cardiopatias congênitas, das diversas alterações funcionais e das anormalidades do ritmo cardíaco fetal, constitui-se um procedimento da alçada do cardiologista pediátrico, sendo uma subespecialidade da ecocardiografia.

Entretanto, para os propósitos deste Programa, em que o objetivo primário é a detecção de casos suspeitos da cardiopatias fetais, o detalhamento não é necessário em primeira instância. A simples identificação ou suspeita de uma "aspecto" possivelmente anormal das estruturas básicas do coração fetal ao corte de 4-câmaras e, quando possível, ao corte das vias de saída, já se constitui em razão suficiente para a referência da gestante para ecocardiografia fetal completa em centro de maior especialização. Assim, os exames a serem realizados no nível de atenção primária podem ter como operadores ultra-sonografistas obstétricos, médicos não cardiologistas pediátricos, residentes, alunos de pós-graduação e até estudantes de Medicina, com treinamento básico e supervisão adequada.

Abordagens epidemiológicas
Sistema de Atenção Primária Continuada ("Longitudinal")

No município de Porto Alegre, como discutido acima, o Programa já se desenvolve em caráter contínuo, isto é, diversas regiões da cidade têm sua população de gestantes rotineiramente submetidas a triagem ecocardiográfica fetal, através da cobertura propiciada pelas unidades móveis da Unidade de Cardiologia Fetal do Instituto de Cardiologia do RS. Este sistema, que prevê a expansão para todos os postos de atenção primária do município, idealmente permitirá que todas as gestantes em acompanhamento pré-natal possam realizar ao menos um ecocardiograma fetal a partir de 20 semanas de gestação. As pacientes em atendimento hospitalar por gestação de alto risco e as oriundas dos consultórios obstétricos são também estimuladas a comparecer à Unidade para avaliação ecocardiográfica fetal.

Como meta de longo prazo, dentro dos objetivos do Programa Nacional, o que se espera é que a maioria dos grandes centros e, paulatinamente, de todos os municípios do país, possam implantar um sistema de atenção primária em caráter longitudinal, de forma a ser possível prever um impacto na detecção precoce "in útero" e, conseqüentemente, na morbi-mortalidade infantil por cardiopatias congênitas.

Sistema de Atenção Primária por Amostragem ("Transversal")

Na fase inicial de implantação do Programa, uma abordagem com menor eficácia em termos numéricos, mas adequada para a conscientização da população e dos agentes de saúde é a realização de "Dias F" (Dia do Feto). Neste sistema, em um dia pré-determinado e com ampla divulgação pública, as gestantes são estimuladas a comparecer a um local onde se disponha de pessoal técnico e equipamentos de ultra-som para a realização de triagem ecocardiográfica fetal. A vantagem para a aplicação desta forma de atenção cardiológica pré-natal é a possibilidade de utilizar recursos técnicos e humanos já existentes, sem a necessidade de proceder a deslocamentos diários de unidades móveis.

Para que seja previsível algum resultado prático, no entanto, torna-se necessária sua repetição periódica, em número proporcional ao da região a ser coberta. O sistema "transversal" é a maneira mais racional e ágil de iniciar a Programa Nacional de uma forma ampla. Com o passar do tempo, cada Coordenador Regional terá condições de avaliar as condições particulares de sua área de atuação para a desejável e gradativa mudança para o sistema de atenção primária contínua ou longitudinal.

Logística

Para a implantação do Programa, é necessário que os primeiros passos funcionem como um projeto piloto, que deverá ser continuamente reavaliado e retroalimentado, de forma a aperfeiçoar sua dinâmica.

Assim, inicialmente, foram escolhidas as cidades de Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Goiânia, Aracaju, Vitória e Maceió, representando 14 estados da federação e 17 centros especializados, onde se realiza ecocardiografia fetal rotineiramente em nível terciário, como sedes das Coordenações Regionais. Estes centros, através de seus Coordenadores Regionais, estarão articulados com o Coordenador Nacional na implementação do Programa. A qualquer momento, outros centros poderão agregar-se ao grupo inicial, sendo esta uma iniciativa altamente desejável, e que poderá partir do próprio centro interessado ou da Coordenação. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, já estão incorporadas ao Programa 18 "cidades-chave", que, devido à sua abrangência geográfica, cobrem praticamente todo o território gaúcho. Como já comentado anteriormente, a designação de coordenadores locais, em cidades de menor porte, é de responsabilidade dos Coordenadores Regionais.

Ações

Como primeira etapa de ações concretas, foi designado o sábado dia 9 de maio de 1998, véspera do Dia das Mães, o primeiro DIA F Nacional (DIA DE ATENÇÃO AO FETO), que objetivou concatenar uma ação nacional de conscientização da população geral e do meio médico com relação à importância da realização da ecocardiografia fetal de rotina no pré-natal, independentemente da presença de fatores de risco para cardiopatias fetais.

Neste primeiro momento, participaram ativamente os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe, assim como o Distrito Federal. Com exceção de 03 estados, que se organizaram para realizar o Dia F em outra data, todos os demais centros, em uma ação simultânea, ofereceram, gratuitamente, exames ecocardiográficos fetais à população geral, durante todo este dia, além de orientar as gestantes e treinar outros profissionais, especialmente ultra-sonografistas obstétricos.

Em todo o evento, foram examinadas cerca de 2.000 gestantes, que realizaram ecocardiograma fetal gratuito, sendo detectadas anormalidades em 3,8% dos casos (76 fetos – todos de gestações de "baixo risco" !).

Dia "F" nacional (segundo sábado de maio – véspera do Dia das Mães)

Neste dia, das 9 às 18 horas, simultaneamente nos centros de referência citados, e em todos os demais centros que aderirem ao Programa, em municípios de qualquer porte, serão realizados ecocardiogramas fetais gratuitamente em todas as gestantes com idade gestacional de 20 semanas ou mais que se apresentarem nos locais previamente designados, a serem amplamente divulgados por cada Coordenador Regional ou Local, independentemente da presença de qualquer fator de risco para cardiopatia. É recomendável que cada centro providencie o maior número de aparelhos e de operadores possível, de forma a que possa ser atendida a demanda. Na eventual impossibilidade de serem realizados todos os exames até o final do horário previsto para o encerramento da atividade, deverão ser fornecidas senhas para a realização dos mesmos em dias subseqüentes, conforme a rotina de cada serviço. Será fundamental o adequado registro dos exames realizados, para que a computação dos dados possa ser a mais completa possível.

Qualquer caso em que forem identificados elementos que façam suspeitar de anormalidade cardíaca, ou que suscite dúvidas por questões técnicas, deverá ser providenciada pelo Coordenador Regional a repetição do exame, preferentemente pelo próprio Coordenador ou por especialista por ele indicado, de forma a esclarecer a questão de forma definitiva. Na mesma linha, qualquer caso de cardiopatia identificado deverá ser discutido com o Coordenador Regional, que decidirá sobre a conduta a ser tomada (acompanhamento, internação, planejamento do nascimento, terapêutica intra-uterina, indicação de outros exames ou contato com o serviço de atendimento pré-natal).

A mesma sistemática deverá ser adotada em cada Dia F realizado subseqüentemente, cuja freqüência variará conforme o porte do município e a articulação com o Coordenador Regional. Entretanto, como já salientado, é desejável que cada município procure agregar a avaliação cardiológica fetal através da triagem populacional continuada às suas rotinas de atenção pré-natal.

Centralização dos Dados

Todos os dados serão coletados com o auxílio de um instrumento básico padronizado para todos os centros. Adicionalmente, cada centro local poderá acrescentar ao instrumento original questões referentes a aspectos específicos de cada região. A participação nos diversos projetos de pesquisa aninhados no projeto principal é opcional para cada centro regional. Cada centro poderá levantar também novas questões para estudo em sua região específica ou em caráter multicêntrico. A Coordenação Nacional fica responsável pela centralização dos dados, divulgação dos resultados e apoio à elaboração e ao desenvolvimento de projetos de pesquisa.

O instrumento de coleta de dados foi previamente testado durante a fase piloto do estudo em Porto Alegre, e as modificações necessárias foram incorporadas em sua forma atual. Este instrumento contém uma seção inicial de identificação da gestante, com o objetivo de facilitar sua localização posterior nos sistemas de referência e contra-referência e durante a avaliação pós-natal. A seguir, estão incluídas informações sobre a história obstétrica e possíveis fatores de risco para a presença de cardiopatias congênitas. São registrados também os resultados do exame e a presença de dificuldades técnicas para a realização do mesmo, juntamente com o encaminhamento do caso.

Cada centro local é responsável pela coleta dos dados de todos os exames realizados em sua região de abrangência. O Coordenador Local ou pesquisador por ele designado deve realizar a supervisão do preenchimento das fichas de coleta antes do envio para o Centro Nacional (avaliação do preenchimento correto de todos os campos relevantes, conferência do número de exames com o número de fichas coletadas).

Todas as informações básicas serão centralizadas pela Coordenação Nacional e alimentarão um banco de dados criado especialmente para este fim com a utilização do software EPI-INFO, distribuído pela Organização Mundial da Saúde. Os resultados das análises referentes a estes dados serão divulgados para cada centro regional. As informações relativas a aspectos específicos desenvolvidos em cada centro deverão ser analisadas localmente, se necessário, com o auxílio/ consultoria da Coordenação Nacional.

Recursos humanos

A rede hierarquizada responsável pelo desenvolvimento do Programa, como já discutido, será formada por Coordenadores Regionais, Coordenadores Locais, operadores e auxiliares. Cada núcleo, de acordo com sua região de abrangência, alocará pessoal médico e paramédico conforme as necessidades locais.