Programa Nacional de Prevenção e Epidemiologia

Declaração de Gramado

 

Sobre Saúde e Prevenção das Doenças Cardiovasculares.
1 a 10 de maio de 1997.

Sob os auspícios da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade e Federação Internacional de Cardiologia, Ministério da Saúde do Brasil, da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), reuniram-se durante dez dias na cidade de Gramado 52 profissionais da saúde no Primeiro Seminário Brasileiro de Epidemiologia Cardiovascular.

Cenários para Promoção da Saúde

A função vital do sistema cardiovascular e a magnitude populacional de seus problemas, fazem-no um indicador natural da qualidade de vida e saúde da população, motivo pelo qual os conteúdos estudados foram discutidos e editados em documento sob a perspectiva de quatro cenários populacionais (nacional, estadual, municipal e de pequena comunidade), cuja súmula e recomendações básicas constam desta "Declaração de Gramado".

A revisão dos conhecimentos científicos atuais e das técnicas disponíveis para a prevenção das doenças cardiovasculares e sua assistência, demonstra o quanto ainda se pode fazer em nosso país: desde a melhoria das condições gerais de nutrição e cuidados durante a gestação e dos primeiros anos de vida (determinantes para o resto da vida), passando pela informação e educação das comunidades para que se habilitem a controlar os determinantes de saúde e doença, até o acesso à assistência básica e especializada.

A Importância das Doenças Cardiovasculares e de seus Fatores de Risco
As Doenças Cardiovasculares são o principal grupo de causas de morte em todo o mundo e também no Brasil. Embora presente em proporção menor em países com características de desenvolvimento semelhantes às nossas, tem sua importância agravada pela precocidade com que se manifestam, particularmente nos grupos socialmente menos favorecidos, devido a pior qualidade de vida e menor acesso aos serviços de saúde.

Indicadores sobre fatores de risco (sedentarismo, obesidade, tabagismo, hipertensão arterial, distúrbios metabólicos, uso inadequado de álcool, e presumivelmente também estresse), e nas chances de adoecer, de ter acesso aos serviços de saúde, de manter um tratamento continuado, reabilitar-se e morrer, situam-nos em posição bastante desfavorável comparativamente a outros países. Explicações para estes diferencias entre países, ou internamente entre grupos distintos, são facilmente encontradas nas condições de pobreza, ignorância, desemprego/sub-emprego e marginalização social de importantes contingentes de nossa população, bem como em características culturais, e em especial na adoção de novos hábitos e estilos de vida. Tudo isso agravado pela falta de atenção do setor de saúde pública, e da sociedade em geral, às potenciais estratégias para a prevenção destas doenças.

Abordagens de Prevenção

Para melhorar a saúde não é suficiente a qualificação dos especialistas para atender pessoas com a doença avançada. Ênfase deve ser dada em estratégias populacionais na eliminação e prevenção dos fatores de risco e do ponto de vista individual na prevenção primária de alto risco e especialmente na prevenção secundária.

A promoção da atividade física sistemática e de uma alimentação natural (com menos gordura e maior proporção de frutas e verduras) são exemplos de alvos de intervenção a partir dos quais pode se alcançar progressivamente o controle de outros fatores de risco. A definição de prioridades entretanto deve ser feita com ampla participação e apoio não somente governamental mas também de outras organizações não governamentais e privadas e lideranças comunitárias. Tem papel muito importante na mobilização destes recursos as entidades científicas, dentre as quais se destacam a própria Sociedade Brasileira de Cardiologia (através de seu Comitê de Epidemiologia e Saúde Pública) e a Fundação Brasileira de Cardiologia (SBC/FUNCOR).

Indicadores desfavoráveis e peculiaridades sócio-culturais de populações empobrecidas exigem para estes conjuntos sociais uma abordagem especial, assim como a população escolar, pela facilidades na aplicação de atividades de educação para a saúde e chance de sucesso nas intervenções.

Sistema de Saúde

Fica desde logo saliente a importância de um sistema de saúde de acesso universal e que também contemple a promoção da saúde, facilitando a veiculação de informações e habilitando a população a utilizá-las plenamente. Para tanto se faz necessária uma política de saúde que defina, mobilize e integre os papéis dos atores de nível nacional, estadual, municipal, de conjuntos menores e do próprio indivíduo (por exemplo.: na elaboração de recomendações técnicas, compra de medicamentos, treinamento, marketing de saúde, etc...). As competências do público e do privado, as prioridades populacionais e para grupos de alto risco, precisam também ser definidas em cada nível dentro de um marco profissional, de longo termo, de maneira a permitir a visualização de objetivos que transcendam interesses particulares imediatos e o ciclo de uma única gestão governamental. Deve-se evitar a fragmentação entre duas culturas: a preventivista, centralmente planejada, previlegiando estratégias populacionais, voltada quase que exclusivamente para doenças infecto-contagiosas e a assistencial, anárquica, espaço tradicional para o atendimento das doenças crônicas.

Foram saudados os programas dos Agentes Comunitários de Saúde, da Saúde da Família e de Saúde Escolar, como estratégias básicas para viabilizar a atenção primária à saúde e sua promoção. Também foi salientada a necessidade de enfatizar a descentralização das decisões sobre prioridades, com participação técnica e comunitária intersetorial, regionalizando as ações em todos os níveis, para facilitar a articulação das partes respeitando nossas importantes diferenças culturais.

Epidemiologia e Ações Baseadas em Evidências Científicas

As decisões políticas populacionais, bem como as decisões terapêuticas de nível individual, precisam estar embasadas em informações epidemiológicas e nas evidências científicas já existentes, bem como em estudos de custo-efetividade, evitando o desperdício, a desinformação, a iatrogenia, e o primado do lucro sobre o bem comum. Fontes fidedignas de informação precisam ser estudadas, seus resultados precisam ser divulgados em linguagem adequada, e algumas pesquisas precisam ser replicadas para testar a aplicabilidade local de conclusões mais gerais ou procedentes de populações distintas.

Necessidades de Informação, Atualização e Comunicação

Questionamentos sobre o manejo medicamentoso de fatores de risco em paciente de baixo risco, a abordagem de problemas originados nas desigualdades sociais, o papel da inflamação na ateriogênese, e um crescente número de outras novidades científicas semelhantes, tornam cada vez mais importante a contínua atualização dos responsáveis por atividades preventivas.

As facilidades dos meios de comunicação devem fomentar a articulação de lideranças, de grupos e entidades interessadas no bem comum. As discussões levantadas neste seminário devem ser continuadas através de rede de comunicação com base na INTERNET, inclusive com a implantação de uma página permanente sobre promoção da saúde e epidemiologia cardiovascular, inclusão de temas relacionados com epidemiologia e prevenção em reuniões científicas, cursos, seminários, revistas científicas e participação em grupos internacionais de discussão.

Novo Paradigma

Por fim, mesmo tendo em vista os enormes avanços científicos e tecnológicos já alcançados ou em perspectiva na cardiologia, é cada vez mais necessária a construção de um paradigma de saúde e doença que viabilize o benefício de tais conquistas a toda a população. Para tanto se fazem necessárias uma reforma na educação médica e na educação dos demais profissionais da saúde, paralelamente a uma ampla discussão na qual participe a cultura popular, contribuindo para a evolução do modelo assistencial, do tradicional biomédico, para o biopsicosocial, com ênfase na saúde e não somente na doença.