Jornal do Commercio

Data: 25 de agosto de 2002

 

Diagnosticado novo fator de risco cardíaco

 

Inflamação nas artérias, mais um vilão para a saúde

Os cientistas descobriram um novo fator de risco cardíaco, a inflamação da parede das artérias, que ataca até pessoas com baixo nível de colesterol. Os velhos vilões, no entanto, continuam com os mesmos e com força total: obesidade, fumo gorduras mal localizadas, pressão alta, estresse, alimentação inadequada, sedentarismo etc.

O colesterol não é mais soberano no reino dos inimigos do coração. A ciência comprovou a existência desse outro vilão, que se desenvolve sorrateiramente no organismo, ainda mais poderoso no desencadeamento de problemas cardiovasculares, como infartos, derrames e ataques cardíacos.

São as inflamações nas paredes interiores e veias, o endotélio, que podem evoluir para um quadro de obstrução da corrente sangüínea mesmo em pessoas com baixos níveis de colesterol. O novo inimigo, entretanto, não atua isoladamente, se junta à trupe de substâncias e situações que comprometem o funcionamento da válvula mais importante do corpo humano.

Durante muitos anos, a explicação mais comum para a ocorrência de problemas cardíacos era a concentração nas paredes das artérias das Lipoproteínas de Baixa Densidade (LDL), o chamado colesterol ruim. A progressividade acumulação levaria à restrição ou até à obstrução total do fluxo sanguíneo, ocasionando os acidentes cardiovasculares.

Entretanto, cerca de 50% dos pacientes de problemas cardíacos apresentavam índices normais e até baixa os de colesterol LDL. As pesquisas partiram do pressuposto de que não era apenas o colesterol que causava os acidentes coronarianos. A conclusão foi de que o endotélio, mais do que apenas um canal por onde circula o sangue, tem células sensíveis que podem ser agredidas por pequenas quantidades de nicotina, açúcares e colesterol – gerando inflamação.

Prevenção é o melhor caminho, dizem os médicos

O processo de formação do tecido inflamatório pode durar bastante sem que seja percebido. Pessoas com menos de 20 anos podem já estar desenvolvendo a placa. A prevenção é o melhor caminho, sugerem médicos como Luiz Junqueira, chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário (HUB) da Universidade de Brasília (UnB).

Os acidentes cardiovasculares são a maior causa de mortes do mundo, com17 milhões de óbitos por ano. No Brasil, as mortes anuais chegam a 300 mil. Além de atacar pessoas com baixos índices de colesterol, as inflamações aumentam em nove vezes as possibilidades de alguém com colesterol alto desenvolver arterosclerose o enrijecimento e obstrução de artérias e veias.

Os procedimentos de prevenção das informações são os clássicos: não fumar, se exercitar regularmente, não se exceder no álcool e manter os exames médicos em dia. Mesmo assim, esse tipo de processo pode surpreender. O pneumologista Paulo Tavares, 73,que nunca fumou, e que nadava e andava de bicicleta regularmente, teve um infarto.

Ele bebia pouco e mas tinha uma alimentação irregular, mas não muito desequilibrada: excedia-se nas pizzas. Seus exames de colesterol eram normalíssimos. Fazia 10 dias que ele havia completado 70 anos quando, numa manhã teve um infarto. Foi levado para o hospital onde foi submetido a uma revascularização.

O Dr. Tavares conta que sentia um pouco de pressão contra o peito, mas que jamais imaginaria que viria a ter um acidente cardíaco. De acordo com o cardiologista Luiz Junqueira, o caso de Tavares foi um clássico acidente causado por inflamações nas paredes das artérias. E o cardiologista destaca que a predisposição para o desenvolvimento das placas inflamatórias pode ser hereditário. Tavares confirma: tem um histórico familiar de cardíacos.

Exame de proteína C reatina é barato

Com um exame antigo e barato é possível descobrir se uma pessoa está tendo inflamações na artérias. Basta verificar os níveis da proteína C reativa, que é liberada no organismo sempre que está ocorrendo qualquer tipo de inflamação. Se no exame for verificado altos índices de C reativa, é provável que uma placa inflamatória esteja se formando nas artérias.

O diagnóstico pode ser precisando com a análise do histórico familiar do paciente e de seus hábitos diários. O tratamento da enfermidade é o mesmo para os casos de doenças cardíacas causadas por altos índices de colesterol LDL. Geralmente é administrada a substância estatina, que consegue diminuir os níveis de gordura, além de proteger as células do endotélio e ter vaso dilatadora.

Para garantir o aumento do espaço interno da artéria o paciente também pode tomar uma droga bem comum, a aspirina, que tem ação anti-coagulante, evitando a formação do trombo que obstrui o fluxo sanguíneo. Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde recomendam que as pessoas com mais de 40 anos façam o exame de quantificação de proteína C reativa.

Ou seja, o exame independe de estar no grupo de risco cardiovascular. O médico Augusto de Marco, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia/Centro-Oeste, comenta que, no Brasil, tal procedimento em escala nacional ainda não é possível porque esse exame não está disponível nas redes públicas de hospitais e postos de saúde. Ele só é possível em algumas clínicas privadas.

Além da inflamação, outro inimigo do coração que vem sendo pesquisado é a infecção, geralmente causada por alguma bactéria. Não se sabe ao certo qual bactéria nem como isso acontece.