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Folha de S.Paulo
Data: 04 de abril de 2003
CASUÍSMO TABAGISTA
Editorial
A virtual liberação da propaganda de
cigarros no Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 é um episódio que em
nada enaltece algumas das mais importantes instituições democráticas
brasileiras.
Em primeiro lugar, a realização da
corrida com a publicidade é um desrespeito ao Congresso Nacional -e por
extensão a todos os cidadãos brasileiros-, que em dezembro de 2000
decidiu soberanamente banir, a partir de janeiro de 2003, a propaganda de
cigarros de todos os eventos esportivos. A lei não poderia ser mais
clara, e os parlamentares estavam perfeitamente cientes das implicações
de sua escolha.
O que causa mais inquietação são as
informações de que a iniciativa de rasgar a lei partiu da Prefeitura de
São Paulo e contou com o solidário apoio do governo federal. Mais grave
ainda é a notícia de que até o
Ministério da Saúde , que por razões óbvias deveria estar muito
mais interessado na saúde pública do que nos lucros de um GP, participou
da farsa.
Para complementar o triste espetáculo,
a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) cedeu à pressão
do governo e recuou vergonhosamente de sua posição inicial de multar os
infratores. Aí, a Anvisa demonstrou que sua tão propalada independência
jamais saiu do papel.
Já é grave que vários órgãos de
governo conspirem para sabotar uma lei aprovada pelo Parlamento. Quando se
considera que a legislação desrespeitada é uma peça que visa à
preservação da saúde, sobretudo a de jovens influenciáveis pelo
glamour dos grandes eventos esportivos, está-se diante de um verdadeiro
crime.
Não se propugna por soluções
autoritárias como a proibição do cigarro. Já a propaganda de tabaco,
esta é indefensável. O produto anunciado é uma droga com alto poder de
viciar e que comprovadamente causa grandes malefícios à saúde, levando
até mesmo à morte. O poder público não pode permitir incentivos a que
as pessoas -principalmente jovens- entrem nessa rota perigosa.
PAINEL
DO LEITOR
Fumo e F-1
"Em relação ao editorial "Casuísmo tabagista"
(Opinião , pág. A2, 4/4), esclareço que em nenhum momento a
Anvisa titubeou diante da obrigação de fazer cumprir a lei
antitabagista do país. Diante da possibilidade de mudanças na referida
legislação, a agência aguardou os desdobramentos da modificação,
mantendo-se com a disposição de levar a termo o seu cumprimento, o que
será feito de acordo com a medida provisória nº 118, de 3 de abril de
2003. Embora seja uma agência autônoma de regulação, a Anvisa é
parte integrante do Ministério da Saúde e atua de forma coordenada com
as demais áreas da instituição, o que compreende uma atuação célere
em consonância com a política global do governo em relação ao
combate ao tabagismo e aos males do fumo."
Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques, diretor-presidente
substituto da Anvisa (Brasília, DF)
Nota da Redação - Se a Anvisa fosse, de fato, uma agência
independente destinada a "promover a proteção da saúde da população",
como reza a lei que a criou, ela se teria insurgido contra a mudança
casuística e injustificável da legislação, que sacrifica a saúde da
população em favor de lucros privados.
"A Sociedade Brasileira de Cardiologia, que anualmente promove
campanhas educativas de promoção à saúde, repudia a propaganda de
cigarros nos carros da Fórmula 1. Além de ser um desaconselhável
incentivo aos jovens, a publicidade fere a lei 10.167. A SBC, que
representa 10 mil cardiologistas de todo o país, lembra que o cigarro
mata 120 mil brasileiros por ano. Os estudos da Organização Mundial da
Saúde estimam em mais de 1,2 bilhão o número de fumantes no mundo,
sendo 36 milhões somente no Brasil. A OMS projeta que, em 2020, 10 milhões
de pessoas morrerão por causa do tabaco -7 milhões em países em
desenvolvimento. Para desfazer esses prognósticos alarmantes, a
Sociedade Brasileira de Cardiologia manifesta apoio a toda providência
legislativa que iniba a publicidade de cigarros, sobretudo entre os
jovens. Amanhã, antes e após o GP Brasil, voluntários e médicos da
SBC estarão em frente ao autódromo de Interlagos para distribuir
folhetos informativos sobre qualidade de vida e hábitos saudáveis."
Celso Amodeo, presidente da Sociedade Brasileira de
Cardiologia/Funcor (São Paulo, SP)
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