Diário de São Paulo

Data: 10/08/2004

Paciente já consegue saber qual o risco de ter infarto em até 10 anos

Batizado de Escala de Framingham, o cálculo mostra a probabilidade de a pessoa sofrer alguma doença cardíaca. Ferramenta pode ajudar a salvar vidas

Você sabia que já é possível calcular a chance de uma pessoa sofrer um ataque cardíaco nos próximos dez anos? Uma ferramenta, incluída nas diretrizes de atendimento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), é a mais recente arma dos médicos no combate às doenças cardíacas, principalmente o infarto, a angina e a morte súbita. Criado nos Estados Unidos e batizado de Framingham Coronary Heart Disease Risk Score — no Brasil, Escala de Framingham —, o método ajuda na escolha do melhor tratamento para os fatores de risco do coração, como no caso de colesterol elevado. 

“A escala é um dos melhores instrumentos para avaliar o paciente. Pena que é pouco usada pelos médicos brasileiros”, afirma Raul Santos, médico assistente da unidade clínica de dislipidemias do Instituto do Coração (Incor). Segundo o especialista, o paciente deve exigir do cardiologista a realização do cálculo, que também pode ser feito em casa. 

Para isso, no entanto, é preciso ter em mãos alguns dados: nível de colesterol total, de HDL (bom colesterol) e de pressão arterial. A pessoa também deve saber se é diabética. “Basta pegar os resultados dos últimos exames médicos. A conta é bastante simples”, comenta Santos. 

O cálculo (realizado em forma de pontos) é feito com base também na idade e no sexo do paciente. No primeiro quadro (idade), um homem de 45 anos, por exemplo, deve marcar o número 2 (dois pontos). Se for mulher, também de 45 anos, deve assinalar 3 (três pontos). E assim sucessivamente nos outros quadros. Basta ver em qual categoria você se encaixa. Ao final, é preciso somar os pontos e saber qual a chance de ter um evento cardíaco em dez anos. 

“Consideramos um risco alto de infarto quando o resultado é maior do que 20%”, explica Emílio Moriguchi, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialista em colesterol. O médico participou da elaboração das III Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias da SBC, na qual foi incluída a Escala de Framingham, que pode ser calculada a partir dos 30 anos de idade. 

De acordo com os médicos, esta matemática do coração pode salvar vidas. “Dependendo do grau de risco, o tratamento muda e se torna mais agressivo, atuando na prevenção”, garante Moriguchi. O resultado do cálculo direciona, por exemplo, as metas de colesterol ruim (LDL) no sangue. 

“Se a pessoa tem entre 10% e 20% de risco, segundo a escala, deve ter um nível de LDL inferior a 130mg/dl. Se a chance for acima de 20%, o limite máximo é de 100mg/dl”, acrescenta Santos, lembrando que o número de fatores de risco nem sempre refletem as chances de um problema futuro. 

Começo

Framingham é o nome de uma cidade americana, na qual se iniciou o maior e mais importante estudo já feito sobre fatores de risco coronarianos, na década de 50. “A partir desta pesquisa, que continua até hoje, descobrimos a relação entre as doenças cardíacas e o tabagismo”, conta Santos. Foi somente nos anos 90 que os pesquisadores conseguiram criar a fórmula, ainda pouco conhecida no Brasil. 

A assistente de vendas Fabiana Milano Gomes, de 26 anos, por exemplo, nunca tinha ouvido falar na escala, apesar de já ter colesterol elevado. “Certamente vou fazer a conta quando tiver 30”, diz Fabiana, que tem histórico familiar de doença cardíaca. “Descobri o problema por acaso e levei um susto. Mas uma boa dieta e a prática de exercícios físicos conseguiram corrigir o aumento. Agora preciso ficar de olho”, conclui. 

Colesterol alto é comum em favela 

A mesma matemática que ajuda na prevenção das doenças cardíacas também está medindo a prevalência do problema no Brasil. Um estudo, realizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC/Funcor), mostrou que os índices de colesterol elevado nas favelas são semelhantes aos de regiões com maior poder aquisitivo. 

Em São Caetano do Sul, no ABC, onde o Índice de Desenvolvimento Urbano (IDH) é alto, cerca de 9% da população local ultrapassa o limite de 240mg/dl. Na favela dos Alagados, em Salvador, esse número chega a 11% e na favela de Brasília Teimosa, no Recife, a 8%. “O resultado nos causou surpresa, pois imaginávamos uma prevalência menor de colesterol alto nas classes menos favorecidas”, comenta o cardiologista Luiz Bortolotto, membro do conselho científico da SBC. 

O médico acreditava que o fato de a população de baixa renda ser menos sedentária contribuiria para manter os níveis de LDL em dia. “Pelo visto, isto não é suficiente. Além disso, na favela o consumo de gordura é grande, seja em forma de óleo ou banha”, ressalta Bortolotto. A pesquisa envolveu pessoas na faixa dos 50 anos. Em São Caetano, a renda familiar dos pesquisados era de R$ 1.748,00, enquanto no Recife era de R$ 390,00 e, em Salvador, de R$ 458,00. 

O resultado vai direcionar as próximas campanhas de combate ao problema. “A idéia é dar enfoques diferentes de acordo com a situação socioeconômica da população. Nas favelas, por exemplo, é importante ensinar as pessoas a comer corretamente, evitando a gordura. Assim, o indivíduo garante sua saúde e continua economizando”, afirma o médico. 

Já entre as pessoas com renda maior, é fundamental estimular a prática de exercícios. “Percebemos que a prática de atividade física entre estes indivíduos ainda deixa a desejar”, diz. Segundo a cardiologista Carla Lantieri, de São Caetano do Sul, há na cidade diversas iniciativas para tirar a população do sedentarismo. 



LUCIANA SOBRAL