Folha Cotidiano

Data: 12 de dezembro de 2004

Maioria dos sopros cardíacos é inofensiva

Cardiopatia, que chega a afetar até 80% das crianças, pode ser decorrente de alteração no sangue por causa de febre ou anemia 
DA REPORTAGEM LOCAL 


O médico do clube ou o pediatra ouve um barulho diferente ao colocar o estetoscópio no peito da criança. Em vez do coração fazer o tradicional "tum-tum", faz algo como "tum-fsss-tum", por exemplo. É um sopro -uma alteração no ruído que o sangue faz ao passar pelo órgão -e é preciso investigar melhor.
Mais de 80% das crianças têm algum tipo de sopro em um momento da vida. Na verdade, a maior parte acaba com um veredicto tranqüilizador: trata-se do chamado sopro inocente, que desaparecerá sozinho.
O sopro inocente pode ser decorrente de uma alteração no fluxo do sangue por causa de uma febre ou uma anemia, por exemplo, explica a cardiologista Nana Miura Ikari, médica-assistente da unidade clínica de cardiologia pediátrica do Instituto do Coração de São Paulo (Incor). "Alguns até dizem quando casar sara", brinca Ikari. Mas nada muda para esse paciente.
Para uma minoria, no entanto, o som esquisito é sinal de um defeito cardíaco congênito, que nasceu com a criança, e necessitará de tratamento.
O coração está formado no segundo mês de gravidez. É nesse período que, por exemplo, uma de suas partes, suas válvulas e/ou vasos podem não se desenvolver adequadamente. Por causa disso, o fluxo de sangue diminui sua velocidade, ou vai para o lugar errado ou é dificultado (veja exemplos nesta página).
Segundo Miguel Barbero Marcial, chefe da cirurgia cardíaca pediátrica do Incor, mesmo nesses casos, em 90% das vezes a cura é possível com uma correção cirúrgica -ou por cateterismo.
Se as intervenções não adiantam, a saída é um transplante cardíaco -e hoje é possível fazê-los mesmo em recém-nascidos. Marcial foi responsável pelo primeiro na América Latina. O problema ainda são os doadores, diz.
Infelizmente, há ainda casos que demandam seguidas cirurgias e que a qualidade de vida da criança fica comprometida. Ou as complicações são fatais.
O primeiro passo para que o médico chegue a uma conclusão sobre o sopro é localizar o ruído, verificar o tipo de barulho, o que lhe dá algumas dicas.
Alguns exames como um raio X de peito e ecocardiograma auxiliam no diagnóstico -o ecocardiograma permite que se veja o movimento do coração e do sangue, assim como analisar o tamanho do órgão, formato, e ter uma visão pormenorizada das suas câmaras, válvulas e vasos.
Um exame de imagem, feito quando o bebê ainda está na barriga da mãe, pode detectar as cardiopatias congênitas precocemente, o que permitirá que o parto ocorra em uma maternidade com equipe de cardiologistas a postos. O ecocardiograma fetal pode ser feito a partir do terceiro mês de gravidez.

Sintomas

As cardiopatias são o defeito congênito mais comum em recém-nascidos. Calcula-se que 1% dos nascidos vivos tenham um problema estrutural no coração. Alguns não têm sintoma nenhum até a infância ou mesmo adolescência, outros têm problemas desde o início da vida.
Além dos sopros, outros sintomas importantes nos bebês são respiração rápida, dificuldade na alimentação, lábios roxos. Nas crianças mais velhas, dificuldades nas atividades físicas, fadigas e dores no peito devem ser investigados no especialista.
A maior parte das cardiopatias congênitas não têm uma explicação, uma causa clara, explica o diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Carlos Eduardo Suaide Silva. E não são defeitos hereditários.
Alguns fatores genéticos podem levar às doenças, como a Síndrome de Down -em 30% desses casos, a criança tem algum defeito cardíaco, explica Silva. No Brasil, no entanto, doenças como a febre reumática, causadas por repetidas infecções na garganta, ainda são uma importante causa de deformações no coração, afirma.
Mulheres que tiveram rubéola ou diabetes descontrolado durante a gravidez têm maior risco de ter bebês com cardiopatias. As que utilizaram drogas também podem aumentar seu risco de ter uma criança com problemas.

(FABIANE LEITE)