Revista Isto É

Data: 7 de setembro de 2005
 

Perigo precoce

Casos de infarto antes dos 40 anos se tornam mais freqüentes. Entre
as causas, stress, fumo e drogas.
 
Cilene Pereira, Greice
Rodrigues e Lena Castellón

Dinheiro de menos, trabalho de mais. Competição excessiva, relaxamento zero. Muita balada, pouca caminhada. Fast-food e cigarro todos os dias, verduras, só de vez em quando. Desse jeito, não há coração que agüente. Nem mesmo um jovem coração. Para preocupação dos médicos, é cada vez mais freqüente a ocorrência de infartos em indivíduos com menos de 40 anos. Esse fenômeno – mais um reflexo do estilo de vida atual – pode ser observado diariamente nos serviços de emergência. No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, quase 9% dos infartados atendidos no primeiro semestre tinham entre 30 e 40 anos. Há dez anos, esse índice era de 6,5%. A taxa registrada atualmente no Albert Einstein é semelhante à obtida no Instituto Dante Pazzanese, também na capital paulista. “Cerca de 11% dos infartos ocorrem em pessoas abaixo dos 40 anos”, afirma o cardiologista Marcelo Sampaio, chefe do Laboratório de Biologia Molecular da instituição. “Há sete anos, recebia um paciente mais jovem a cada quatro meses. Hoje, é um a cada 15 dias”, conta. São pessoas como a dona-de-casa Charlene Nascimento, 27 anos. Dois dias antes de completar 25 anos, infartou. “Tinha parado de fumar havia quatro anos. Mas não me cuidava. Minha dieta era pouco saudável”, lembra. Hoje, ela está sob acompanhamento médico e tenta perder peso. “Vivo em alerta com o meu coração”, diz.

Pesquisa – No Dante Pazzanese, a repetição de histórias como a de Charlene chamou tanta atenção que virou motivo de investigação científica. Durante dois
anos, o cardiologista Sampaio avaliou 249 infartados com idade entre 17 e 40
anos. A proposta do estudo – apresentado com destaque há dois meses no Congresso Mundial de Análises Clínicas e Patologia Molecular, realizado em Orlando, nos EUA – era descobrir os motivos dos infartos. Na maioria dos casos,
os fatores de risco atuantes foram os mesmos que colocam em perigo corações mais maduros. Ou seja, propensão genética, obesidade, sedentarismo, tabagismo, hipertensão, colesterol elevado. Não poderia ser diferente. Dados preliminares
da pesquisa Projeto Corações do Brasil, coordenada pela Sociedade Brasileira
de Cardiologia/Funcor, revelam, por exemplo, que o maior número de fumantes
se encontra na faixa etária dos 35 aos 44 anos. Com o colesterol, o retrato também
é desanimador. De acordo com o trabalho, 8% das pessoas até 24 anos apresentam níveis elevados dessa substância. Foi o acúmulo dessa gordura que levou ao hospital a secretária Cintia Bontempi, 36 anos. Mesmo tentando controlar as taxas
de colesterol, seu coração não resistiu e, aos 30 anos, ela sofreu um infarto. “Hoje, tento caminhar pelo menos três vezes por semana e evito alimentos ricos em colesterol”, afirma.

Fotos: Alan Rodrigues / Hélcio Nagamine  
Extremos: Loureiro (à esq.) exagerou
na carga de trabalho. Aos 17 anos, infartou. Já Santos se previne cuidando da alimentação e da boa forma física
 

No entanto, outros agentes pesam ainda mais negativamente para os mais jovens. O primeiro é o stress. Em geral, os indivíduos com menos de 40 anos estão disputando cotovelada a cotovelada um lugar no mercado de trabalho. Por isso, estão submetidos a uma imensa pressão. A conseqüência é a ocorrência de descargas hormonais que podem desgastar o coração. Essa é uma das possíveis causas do infarto sofrido por Alex Loureiro quando tinha 17 anos. “Exagerei no trabalho durante um ano. Meu coração não agüentou”, acredita ele, hoje com 26 anos.

Há ainda o problema da depressão. A doença, também freqüente nessa faixa etária, já é considerada um fator de risco cardíaco. As razões fisiológicas que explicam a relação entre as duas enfermidades não estão esclarecidas, mas dados estatísticos confirmam a associação. “A chance de ter uma doença cardiovascular aumenta 40% com a depressão. E o risco de morte, 60%”, afirma Andrei Sposito, diretor clínico do Instituto do Coração (InCor) de Brasília.

Ecstasy – As drogas são outro inimigo. “O consumo de entorpecentes é um grande causador de infarto”, assegura Raul Dias dos Santos, do InCor de São Paulo. De fato, a cocaína, por exemplo, exerce um efeito perverso. “Ela causa um estreitamento agudo das coronárias, o que pode prejudicar a irrigação sangüínea da área e levar a um infarto”, explica o cardiologista Almir Ferraz, do Dante Pazzanese. O ecstasy pode provocar o mesmo desastre. “Além disso, ele produz modificações no processo de agregação plaquetária que predispõem à formação de coágulos”, diz o cardiologista Nabil Ghorayeb, chefe de seção clínica do mesmo instituto.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que um infarto em jovens fosse mais fulminante. No entanto, essa crença não se confirmou. O tratamento dedicado a
essa população é o mesmo oferecido aos que são vítimas do problema mais
tarde, que ainda formam a maioria dos casos (a idade média de ocorrência desse evento gira em torno de 55 anos). Dependendo da gravidade, pode-se desobstruir
as artérias por meio de uma angioplastia (um cateter inserido nos vasos sangüíneos promove o desentupimento) ou ser necessária uma cirurgia para implantar ponte
de safena, por exemplo.

Porém, existem muitas maneiras de desmontar um quadro que pode vir a se tornar ameaçador. Por isso, vários especialistas defendem o acompanhamento da saúde cardíaca desde a infância. “A prevenção deve começar mais cedo do que se imagina”, diz Marcos Knobel, do Hospital Albert Einstein. “Não importa a idade cronológica. O que interessa é ter artérias limpas”, concorda Antônio Simão, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Segundo o cardiologista Antonio Carlos Till, diretor da Vita Check Up Center, clínica especializada em check-up, do Rio de Janeiro, toda criança deveria fazer uma medição dos níveis de colesterol e de açúcar no sangue até os 12 anos.

Pressão – Em relação à hipertensão, o cuidado precisa ser o mesmo, na opinião de Andréa Brandão, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e integrante da Sociedade Brasileira de Hipertensão. “Trata-se de um problema que pode ocorrer desde a infância. Dessa forma, o pediatra deveria conferir anualmente a pressão arterial da criança a partir dos três anos”, afirma. A médica coordena um programa de prevenção de doenças cardiovasculares no Rio iniciado na década de 80 e responsável pelo acompanhamento de mais de sete mil crianças. O analista de sistemas Aldemar dos Santos, 30 anos, participa do projeto desde o princípio. Obeso quando criança, filho de pai hipertenso e de mãe com colesterol alto e neto de avô vítima fatal de um infarto, Santos faz a lição de casa. “Incluí verduras, frutas e legumes na dieta, não fumo e faço exercícios físicos”, conta.

Só um acompanhamento rigoroso, entretanto, não basta. É preciso saber lidar com as circunstâncias externas ao organismo. Entenda-se aqui aprender a driblar o stress, ameaça séria ao coração. Uma das maneiras é rever as expectativas e os desejos em relação à própria vida. “Hoje, há uma busca desenfreada pelo sucesso financeiro e social. O prazer de viver está comprometido”, considera o cardiologista Juarez Ortiz, diretor da clínica Omni Coração, Centro de Cardiologia Não-Invasiva, em São Paulo. Buscar um pouco mais a alegria e repensar valores, portanto, são itens obrigatórios na lista de prevenção.